sábado, 18 de novembro de 2017

Antônimos

intimidade
sem cumplicidade
é violência

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Decolar na tempestade

Sempre me emociona o instante em que o avião decola, após percorrer alguns quilômetros em crescente aceleração. Adoro a sensação de euforia por me desprender do chão para desbravar terras distantes. Tem algo de coragem, independência e imprevisível nisso que me fascina, me hipnotiza, provoca encanto e arrepio. Mas hoje foi diferente. Eu estava triste e a sensação foi de alívio. Só isso: alívio por sair de onde eu estava. Nunca tinha decolado da minha cidade assim, iluminada por suas luzes noturnas e raios de tempestade. Sentia medo, mas não era por causa disso.

Na última vez que viajei pro Rio de Janeiro, tu fez questão de me acompanhar ao aeroporto, não sei exatamente por quê. Mas adorei poder ficar mais um tempinho contigo. Naqueles dias, eu custava a sair dos teus braços... Naqueles dias, semanas, meses, que na minha memória têm cheiro de capim-limão e que me fazem lembrar com tanto carinho daquele apartamento na rua Santana que tu detestava, a gente andava (re)descobrindo um ao outro. Eu só me dei conta de que estava apaixonada quando desembarquei e comecei a contar sobre nós para todo mundo, e meus olhos brilhavam e meu coração se enchia de saudade e de repente era tu o meu maior motivo para querer voltar pra casa. Percebeu que já faz um ano isso? Um ano que embarcamos nessa aventura de conhecer melhor um ao outro e a nós mesmos, e de tentar melhorar juntos, mesmo quando separados; de amar com liberdade, com a única promessa de sermos verdadeiros. Faz um ano e, ainda hoje, me custa ficar longe dos teus braços.

Sou só eu, ou estamos passando por um momento de turbulência? Apertem os cintos, diz aquela voz. Estou indo novamente pro Rio, o mesmo Rio de janeiro, julho e novembro, mas desta vez tudo está muito nebuloso – lá fora e aqui dentro. Uma criança ao meu lado olha pela janela e diz, decepcionada, que não sabia que o céu era assim. Eu também não sabia que a vida adulta seria assim. Crescer dói – pensei em alertá-la. Eu só queria que alguém estivesse aqui para segurar a minha mão até a hora de pousar.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

meia-noite
meia lua
toda linda

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Dicionário

de·sa·ba·far
(verbo intransitivo)
Não mais abafar aquilo que pode me fazer desabar.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Participação especial

Enquanto Dom Quixote avançava contra os gigantes que eram moinhos-de-vento, Sancho Pança o assistia a uma certa distância, descansando sobre seu cavalo, resignado. Dele me aproximei devagar.
- Todo dia é assim?
- Sim, praticamente todo dia - respondeu.
- Então quer dizer que amanhã ele vai se estropear novamente atacando inimigos imaginários? E no dia seguinte tudo de novo?
- Provavelmente sim. Ou deixará de beber água por crer que tentam envenená-lo, ou tentará atravessar o campo inteiro durante a madrugada porque diz que Dulcinéia estará esperando-o com a mesa posta para o café da manhã, e não seria nobre da sua parte se atrasar.
- E você, Sancho?
- Eu? Terei que ir junto.
- Quero dizer... Por que você segue ao lado dele, tendo que suportar tudo isso?
- Solidão, jovem... Por causa da solidão.
- Você se sentia só?
- Eu, não! Mas imagine o quanto Dom Quixote se sentiria sozinho se não houvesse ninguém para curar as feridas que os golpes dos gigantes lhe causaram.
- Mas não existe gigante nenhum!
- Exatamente...
meu coração
já não bate
apanha

domingo, 27 de agosto de 2017

desrespeito
diz respeito
a quem?

domingo, 6 de agosto de 2017

Dengo


O amor não é bonito.
Amor é ilusão, auto-engano, vaidade. Mentira sobre si mesmo e sobre o que o outro pode ser.

Mas o desconforto, este sim... o desconforto das almas inquietas, e mesmo o desconforto de qualquer bruto em seus tropeços cotidianos, este precisa de um suspiro qualquer de esperança, mas que não vem de qualquer lugar, um suspiro que vem do colo de quem ama ou sabe amar, que vem do dengo de quem um dengo pode dar.

terça-feira, 9 de maio de 2017

Fora da palavra / quando mais dentro aflora

O silêncio como gesto. Como sinal de que há algo que falta ser dito. Onde estarão essas palavras? Serão palavras já, ou ainda estão sendo gestadas?
É curioso como a raiva empurra as palavras pra fora, enquanto a tristeza tem por hábito prendê-las. A tristeza cala o que a raiva fala. É preciso ouvir a tristeza, ou pelo menos comunicar-se por seus gestos.


terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

“Aventureiro” se chamava o barco, ancorado em frente à casa do pescador. Tinha escolhido para o barco um nome que começava com A da mesma forma que batizara todos os seus filhos: Agenor, Adriana, Adalberto, Aline e Antônio.
Pois uma tarde, Antônio, o menorzinho, apoiando-se nos joelhos do pai, que fumava sentado na frente de casa, fitou o mar e perguntou:
- Pai, quando os barcos viram ou batem e quebram, eles morrem?
O pescador sabia que, na língua das crianças, o menino estava repleto de razão.
- Sim, meu filho.
- Mas, quando eles morrem, eles afundam... Então o fundo do mar é o céu dos barcos?
O pescador nunca tinha pensado nisso, mas logo se pôs a imaginar o barco tocando o fundo do oceano, solitário, restando alguns de seus pertences doravante sem função nenhuma, sendo pouco a pouco coberto por algas e fazendo amizade com os peixes por toda a eternidade. Nenhum barco mereceria o inferno, ponderou. O Aventureiro, que sempre esteve na superfície daquilo tudo, assim desbravaria finalmente a profundidade do mar, descobrindo que as águas podem ser bem mais tranqüilas do que ameaçavam com suas ondas e os temporais. Ficando à deriva, porém não mais dos ventos que o empurrariam para longe, e sim de toda vida marinha que viria a rodeá-lo.
- Sim, filho. O fundo do mar é o céu dos barcos.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

De tanto afogar as mágoas
um com o outro
acabaram por afundar
um no outro

domingo, 1 de janeiro de 2017

vagar
devagar
divagando