segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Rei Sol

No crepúsculo, o sol é o nosso Rei Midas:
qualquer coisa que ele toca pode virar ouro.



Foto minha: Porto Alegre, 2010.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Enemiga íntima

La que te robó
tu libertad, soledad
y otros nombres de mujer
que rompió tus ideologías
y aprisionó tus sueños

eso soy: tu enemiga
la única e inevitable
la que más querés
y por lo tanto
la más fatal

si me hiciste enemiga
justo porque nos queremos
decime
qué rol me tocará a mí
si se acaba el amor?

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

bigode e uniforme
do porteiro
saúdam o bairro

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

um barco espera
o piquenique
à beira do verão

Criado na oficina de hai kais com Gabriela Silva na 56ª Feira do Livro de Porto Alegre, a partir da foto de Henri Cartier-Bresson:


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

reflexos cores sombras
as imagens são
o surrealismo das coisas

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Dança de árvores esguias

Um céu verde nublado de folhas - abaixo do outro, mais antigo e ensolarado - filtra a luz posicionando estrategicamente os holofotes sobre as dramáticas bailarinas imóveis naquele palco de lama e caranguejos. O vento acaricia devagar seus troncos, galhos e raízes, que são cinturas, braços, pernas estáticos. Em diversas cenas simultâneas, como em uma guerra ou um domingo de brincar na rua, cada uma espera na sua pose um flash que nunca brilha. Na outra margem deste rio de um azul inquieto, as palmeiras erguem seus cabeçotes para espiar o mudo espetáculo do mangue.

Delta do Parnaíba - Piauí, outubro de 2010.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Hai kai para o Maranhão

na minha terra
não cai caju
aí cai



Foto minha: Barreirinhas (MA), 2010.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Divagações III

Essa espécie de linha amarela no chão, logo à minha frente, dita a distância mínima que eu devo manter dos trilhos do trem, do cliente que usa o caixa eletrônico antes de mim, da obra de arte exposta no museu. Quer dizer, para segurança minha, do outro ou de um objeto. Fico pensando que algumas pessoas em alguns momentos deviam ter uma linha amarela ao seu redor... Para segurança própria, alheia ou de um objeto - como o teclado do computador, celulares, microfones, dinheiro, entorpecentes, um carro ou outra arma qualquer.


Foto de Felipe Martini: Dublin, 2008.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Murder on the dancefloor

bailam belas e belos
se a bala baila
acaba-se o baile

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

as árvores acenam
é a primavera
quem vem chegando

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Buraco do saber

O saber é um queijo suíço.

Quanto mais queijo, mais buracos.
Quanto mais buracos, menos queijo.
Quanto mais queijo, menos queijo.

Quanto mais se sabe, mais se pergunta.

sábado, 14 de agosto de 2010

com vinho e forno a lenha
hibernamos
entre o céu e o inverno




Foto minha: Porto Alegre, 2011.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Palavras bêbadas III

Con la luz del sol por la ventana
veo tu cuerpo desnudo
desde el pie hasta el alma
con sueño
o deseo
o qué sé yo
cuál pecado
pero que también es el mío.

Palavras bêbadas II

Existe um abismo entre o que eu preciso ouvir e o que tu consegues dizer preenchido com silêncios e medos e goles e beijos e blefes e sonhos e suspiros de mortos.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Palavras bêbadas I

El color ese... El rojo caliente de sangre o pasión, de piel quemada por el sol o por la verguenza, de barro o carne de ternera. El que pinta los fines de tarde y el primer amor de las gurisas, y los alertas y las guerras y los matrimonios.

terça-feira, 29 de junho de 2010

No meio da aula, olhei para o meu colo. Várias folhinhas, pequenas, verdinhas. Não sei de onde vieram. Não tem árvores nesta sala. Meu colega se sentia mal. Ele estava tonto, mas não queria parar de cantar, caminhando entre as classes. Eu não conseguia acompanhar a aula de geografia porque estava sem o livro. Tinha emprestado para uma colega que eu nem gosto. Depois ela me deu uma desculpa esfarrapada, algo sobre trocar o livro por gibis, não o devolveu. Na verdade, nem era por isso que eu não conseguia acompanhar a aula. É que eu estava prestando atenção nos cometas lá fora...
Fui caminhar pelo parque com duas amigas. As três lado a lado, eu no meio. Olhei as poças de sol que clareavam a terra onde a sombra das árvores permitia. Uma das gurias estava só com um pé do All Star. Não sei por quê. Na rua Vicente da Fontoura, descemos a lomba de carro, todas suando muito. Chegamos na casa da amiga de um só tênis. A casa era menos velha do que antes, reparei. O pai dela estava saindo de casacão. Avisamos que fazia muito calor lá fora. Quente demais. Dentro de casa está fresco e agradável, mas tu vai ver no sol. Como se a gente, que chegava da rua, viesse com a obrigação de contar esse segredo aos de dentro da casa. Ele saiu sem o casaco.
No salão, vários guris faziam uma roda para jogar futebol. Começa com um chute de escanteio, pelo que eu sei. Não é assim que se chama? Um deles não queria nos conhecer, mas ele já tinha nos visto, teve que se apresentar. Eu ri da situação. Ri da cara dele. Saí dali porque tinha água jorrando de alguma parede. Fui sentar no chão ao lado de outra amiga. Falamos sobre qual é o jeito mais fácil de um terapeuta errar com seu paciente. Ela guardava relógios dentro de um aquário sem água. Era difícil pegá-los por causa das garrafas que ficavam em cima da tampa. O irmão dela pegou uma tacinha, e serviu um licor por cima de outro. Mas eu gostei dos relógios. E eram vários. Com diferentes formas, tamanhos, cores e ritmos. Um deles era tão rápido que parecia um ventilador de boate. “Eu tenho um relógio iconoclasta. O problema dos iconoclastas é que tu só olha pra eles de vez em quando” comentou a minha amiga.
No final, o sonho inteiro estava escrito e impresso. Fui passando os olhos pela página, para não me concentrar demais no texto, senão eu acordaria. Acabei me despertando no trecho que falava das “eróticas do tempo em que facadas no peito salvavam uma hipertensão”.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Queimaduras de uma guerra quente

vermelhos de sangue
comendo napalm da mão
dos Estados Unidos


Stencil de Banksy, artista de rua inglês.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Araucárias presentes

São José dos Ausentes é tão frio, mas tão frio, que
as araucárias erguem os galhos agradecendo aos céus
por conseguirem sobreviver ali.


Foto minha: Campos de Cima da Serra (RS), 2010.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Terminado o chimarrão, sobrou só o preguiçoso gosto da manhã naquela cama compartilhada. Ele lia as notícias, ela se distraía tentando distraí-lo.

Roçava devagar seus pezinhos 35 no seu par 41, cantarolando baixinho alguma do Sabina. Contava sobre a semana enquanto lhe fazia cafuné, e ronronava, felina, acomodando a cabeça no seu peito. Beijava de leve cada pedacinho do seu corpo, com beijos que eram quase cócegas. Comentava alguma foto ou reportagem, mudando de posição apenas como pretexto para encostar o máximo da sua pele na dele – esse terreno irrecusável que costuma ser a pele dos amantes...

Ele então desistiu da política, das crônicas, do clima e dos esportes. Num impulso, arrancou o lençol fazendo as folhas do jornal voarem pelo quarto como pombas assustadas. Ficaram expostos os dois corpos nus e toda a vontade que eles abrigavam.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

El miércoles me marcho. Los lunes nadie puede creer que ya empezó la semana, los martes sí lo creen, pero sólo el miércoles tendrán la cabeza involucrada en la rutina lo suficiente para no darse cuenta de mi ausencia. Porque eso pasa con la rutina, como las olas, una tras otra, que acaban por tragarnos al mar. Cuando se enteren de que no fue sino una fuga, yo ya estaré bien lejos, a punto de convertirme en el polvo de mis pasos. Algún chisme, de esos que siempre resultan más creativos que el propio destino, y luego seguirán como si nada.
No puedo esperar más, que si pienso dos veces me quedo. Y si lo pienso tres, no vuelvo jamás.

sábado, 1 de maio de 2010

Um bom poema leva anos (Leminski)

um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

Paulo Leminski



Foto minha: Porto Alegre, 2009.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

chove lá fora
minha janela fria
chora

sexta-feira, 16 de abril de 2010

o outono leva as folhas
das árvores
e do calendário

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Será?

"Será um dom o respeito pelos outros?"
pergunta-se a poetisa e ex-interna do Hospital Psiquiátrico São Pedro.

segunda-feira, 29 de março de 2010

As cores do "descobrimento"


Muito antes dos brancos europeus
chegarem à America morena,
seus índios já eram observados
pela cara pálida
da lua cheia...



Foto de Felipe Martini: Porto Alegre, 2009.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Te recuerdo como eras en el último otoño.

No centro desta cidade que é nosso palco, meus pés desceram do ônibus e tua boca alcançou a minha pela primeira vez. De surpresa o que era já tão previsível... O que ninguém tinha me avisado é que o beijo se tornaria maior que a boca e iria de repente engolir meu coração. Eu queria poder obrigar minha memória a revelar a lembrança exata (a qual guardou tão bem guardada que acabou esquecendo onde tinha escondido). Aí eu salvaria todos os detalhes, sentiria a tua barba fazendo minha pele se arrepiar enquanto teu corpo se juntava ao meu como a lua na água, me agarraria ao teu cabelo, saberia a localização precisa das tuas mãos, levaria comigo o teu cheiro, os barulhos da noite e o brilho dos teus olhos quando abri os meus e vi como me olhavas.

Hojas secas de otoño giraban en tu alma.

terça-feira, 9 de março de 2010

silêncio no jardim
estão ali plantadas
dezesseis mudas

sexta-feira, 5 de março de 2010

Flicts

Um esportista que parou de jogar porque deixou um companheiro paraplégico. Uma mãe que inventa motivos para colocar os filhos de castigo sem jantar porque simplesmente não tem coragem de contar a eles que não têm o que comer. Um preso na delegacia de Perdões. Uma criança que pensa que os problemas da humanidade poderiam ser resolvidos se imprimissem mais notas de dinheiro. Um religioso cuja filiação à igreja foi recusada por excesso de fiéis. Uma solteirona que se pergunta pra onde vão todos os amores perdidos ou desperdiçados. Um rabugento que fala como se já tivesse viajado o mundo inteiro, mas nunca foi além da sua biblioteca abarrotada de guias turísticos. Uma adolescente que tentou suicídio com cinco cartelas de anticoncepcional. Um índio que saiu da sua tribo e enlouqueceu. Uma velha em coma que morreu e ninguém notou. Um coitado que resistiu a uma tentação e não teve uma segunda chance.
Tristes personagens que não conseguiram encontrar lugar em livro nenhum. Figurantes da vida cotidiana.

terça-feira, 2 de março de 2010

Lovers, go home!

Agora que comecei o dia
de volta ao teu olhar,
e me encontraste bem
e te encontrei mais linda

Agora que finalmente
está bastante claro
onde estás e onde estou

Sei que terei forças
para construir contigo
uma amizade tão bacana
que do vizinho território do amor,
esse desesperado,
começarão a nos olhar com inveja
e vão acabar organizando excursões
para vir perguntar-nos
como fizemos

(Tradução minha pro poema do Mario Benedetti.
Recomendo todos!)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Divagações II

"Proibido cães na praia."
A placa obviamente se dirige aos seus donos, já que os animaizinhos não sabem ler. Fico pensando se seria multado o cachorro que estivesse sozinho na rua e resolvesse dar uma caminhada pela areia, talvez nadar um pouco. Mas os cachorros são desses bichos cuja pior sina não é ser vetado da praia, e sim já nascer sob posse de alguém. Para escrever uma placa assim, supõe-se que todo cão tem dono, não pode ficar por aí vagando livre-leve-solto pelo mundo. Como os cavalos, as vacas e as ovelhas, sempre pertencem a alguém esses pobres escravos natos. Só os gatos ainda acreditam que já nascem livres...

domingo, 31 de janeiro de 2010

Sol e chuva competindo para mostrar quem é mais forte. Não sabemos se aquilo ali é um raio ou o brilho do sol escapando por uma fresta entre as nuvens escuras. E, como se isso tudo fosse pouco, surge um arco-íris nos desafiando a encontrar o tesouro. Há uma praça no fim do arco-íris, e é ela que nos abriga até cessar a chuva, apesar de já estarmos todos encharcados e adorando.

Seguimos caminhando e chegamos a um beco encerrado por uma antiga escadaria, cuja pintura branca foi levada pelo tempo, e hoje estêncil e grafite colorido fazem companhia às paredes. Tem uma boneca um pouco menos antiga, que teria sido sexy algum dia, inusitadamente presa em meio à folhagem da grade de um edifício.

Ela compreende o espírito daquele dia e enche a rua com uma música: "Raindrops keep falling on my head..."

Anoitece com lua cheia, e estamos sob os fogos de artifício no alegre porto.

Acho que hoje o céu está nos festejando, e vica-versa.




Foto de Eduardo Seidl: Porto Alegre, 2009.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Pensam, logo existo.

Hablan en Madrid dos mujeres, una puta española y otra inmigrante:

“- ¿Sabes que el mar aquí es muy importante?

- No hay mar aquí.

- Por eso, es donde más se piensa en él. Las cosas no son importantes porque existan, son importantes si se piensa en ellas. Como tu hijo que no está, pero piensas en el cada día, ¿a que sí?, por eso existe... porque piensas en él. Mi madre lo dice siempre que existimos porque alguien piensa en nosotros y no al revés, dice que lo dijo no sé quien, pero yo creo que se lo inventa ella, se lo inventa todo seguro. Yo, en realidad, no creo mucho en dios, ni soy muy religiosa ni nada, mi madre sí lo es. Yo, lo único, sí he pensado y creo que lo peor no sería que no hubiera nada después de la muerte, peor sería que hubiera otra vida que fuera como ésta.”

De la película Princesas: España, 2005.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Divagações I

Se a fotografia não consegue capturar certas imagens exatamente como os olhos as enxergam, por outro lado, ela oferece muito mais possibilidades que o olho humano. Escuto tantos psicanalistas repetirem que "amar é dar o que não se tem"... Da mesma forma, fotografar talvez seja mostrar o que não se vê.

Faz algum sentido isso?


Foto minha: João Pessoa, 2006.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Verbo difícil de conjugar

Decidir:

eu
tu decides
ele dicide
nós decidimos
vós decidis
eles decidem

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

50 anos de casamento e ainda eram companheiros. Toda quarta-feira ela o acompanhava, de braços dados, ao consultório da fonoaudióloga. Para um velho do século passado, a quem ninguém mais quer dar ouvidos, perder a voz seria mesmo um xeque-mate. Ao final da sessão, a fonoaudióloga celebra seu esforço:

- Dá pra notar que a voz do senhor tá recuperando a força, não é? Tá mais limpa, mais clara...

Curvado sobre sua bengala, ele se dirige à esposa na sala de espera com a voz mais rouca que eu já ouvi:

- Agora já posso fazer declaração de amor!